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Matéria original publicada em www.conjur.com.br por Alexandre Boccaletti Fernandes

O texto da lei é claro, assim como as resoluções editadas pela ANS, ao tratar a ausência de obrigatoriedade para a cobertura de tratamentos artificiais para a concepção.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que cerca de 10% dos casais em idade fértil têm problemas para engravidar. Diversas são as causas entre mulheres e homens e apenas 10% desses motivos não são conhecidos.

Para o Ministério da Saúde, que acompanha a literatura médica, a infertilidade de um casal é considerada diante da dificuldade de se concretizar a gravidez pelo período de um ano tendo relações sexuais sem uso de nenhuma forma de anticoncepção[1].

Entre as principais causas da infertilidade da mulher está a idade, cujas chances da gravidez são diminuídas a partir dos 33 anos, com declínio sucessivo e constante em razão do esgotamento da reversa ovariana e a quantidade de óvulos[2].

Além do fator idade, outras dificuldades podem ser provocadas pela endometriose ou infecções pélvicas, miomas, pólipos e disfunção ovulatória, dentre outras.

Com a Constituição de 1988, o planejamento familiar passou a ser garantia de direito fundamental, cabendo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito[3].

Somente em 1996, através da Lei Federal 9.263, veio a regulação do parágrafo 7º do artigo 226 da Constituição Federal, delineando o norte, princípios e penalidades quanto ao planejamento familiar.

Deixou claro o legislador que é dever do Estado, através do Sistema Único de Saúde (SUS), garantir a implantação de ações voltadas para o planejamento familiar relacionadas à prevenção e educação para acesso a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade, podendo elas serem exercidas por instituições públicas e privadas.

No que tange a saúde privada, a obrigatoriedade da cobertura de atendimento decorrente do planejamento familiar por parte das empresas que comercializam planos e seguros de saúde veio através do artigo 35-C, da Lei Federal 9.656/1998[4] (LPS), cabendo à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicar normas que regulamentem o dispositivo (parágrafo único).

Nesse passo, a ANS vem atualizando o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima para os planos de saúde. Sua última versão está na Resolução Normativa 428, de 7 de novembro de 2017.

O rol contempla diversas coberturas obrigatórias de atendimentos, procedimentos e amplo acesso aos métodos e técnicas para concepção e contracepção correlatos ao planejamento familiar.

Quanto à inseminação artificial, é possível afirmar tratar-se de uma exceção à regra obrigacional (art. 10, III LPS) trazida pelo legislador para as operadoras de planos de saúde no que tange ao planejamento familiar, cuja ratificação e regulamentação vêm através da atual RN 428/17 da ANS. Todas as demais ações necessárias à prevenção de doenças, recuperação, manutenção e reabilitação da saúde dos beneficiários, nos limites do contrato e do rol, permanecem vigentes, nos termos do que determina o artigo 35-F da Lei dos Planos de Saúde (LPS).

É importante lembrar que o princípio trazido pela LPS tem a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, promovendo seus cuidados e prevenção, assim como tratar as doenças visando a recuperação e plenitude do beneficiário, dentro dos limites da lei e do contrato.

Nesse passo, as técnicas artificiais de reprodução assistida (fertilização in vitro, por exemplo) não são tratamentos das causas da infertilidade, que, como visto anteriormente, podem ter diversas variáveis e motivações (algumas até hoje desconhecidas). O uso indevido dessas técnicas pode, inclusive, trazer resultados insatisfatórios e riscos à saúde da paciente.

Por isso o legislador excluiu taxativamente do texto da LPS a obrigatoriedade da sua cobertura, passando a ser uma faculdade dos contratantes, cuja cobertura trará impacto no cálculo atuarial de determinada massa de beneficiários/segurados e no valor das contraprestações pagas por eles.

Embora o texto da lei não tenha dificuldade interpretativa — pedindo vênia a quem entenda de forma diferente, não foi suficiente para inibir o debate técnico e jurídico em torno do tema, deixando, mais uma vez, para o Poder Judiciário definir o entendimento.

O direito à saúde é fundamental e um dos mais relevantes. Todavia, não é absoluto. Exige, sempre, a atenta ponderação do juiz, colocando na avaliação os ingredientes da razoabilidade e da proporcionalidade, para que não incida no extremo de atender os interesses individuais em detrimento dos interesses coletivos com alguns doentes atendidos e muitos sem nenhum atendimento[5].

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou em dezembro de 2014 a I Jornada de Direito da Saúde, cujo objetivo foi debater a judicialização e promover a apresentação de enunciados interpretativos.

Especificamente sobre o tema, o CNJ editou o Enunciado 20, cuja redação atual é “a inseminação artificial e a fertilização in vitro não são procedimentos de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde, salvo por expressa previsão contratual” (parte final adequada na III Jornada de Direito da Saúde, de 18/3/2019).

Já no Superior Tribunal de Justiça, o debate rende julgados desde 2010. Para o setor público, o primeiro recurso especial que enfrentou diretamente o assunto por parte de um colegiado foi publicado em 2016, onde a 2ª Turma conheceu em parte do Recurso 1.617.970/RJ, deixando-o, por conseguinte, de dar-lhe provimento em razão da ausência de violação do texto da Lei Federal 8.080/1990.

Quanto ao setor privado, a primeira manifestação colegiada do STJ ocorreu em 2017, por meio do REsp 1.590.221/DF, onde a 3ª Turma conheceu e deu provimento ao recurso da operadora de plano de saúde para declarar a legalidade da exclusão de cobertura dos métodos artificiais de inseminação, com base na LPS e na Resolução da ANS.

O acórdão é importante delimitador de entendimento para os consumidores e para os empresários. Isso porque traz esclarecimentos e fundamentos que elevam a segurança jurídica e limitam de forma clara as coberturas contratadas pelos consumidores, além de garantir o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos para viabilizar a continuidade e higidez do sistema de saúde suplementar.

Embora haja unicidade — até o momento — no Superior Tribunal quanto a ausência de obrigatoriedade de cobertura das técnicas de inseminação artificial[6], este mesmo cenário ainda não é observado nos tribunais estaduais e do Distrito Federal.

Em pesquisa realizada em alguns tribunais, foram identificadas mais de 3.550 decisões de 2º Grau e Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis envolvendo somente a técnica fertilização in vitro, com destaque para os Tribunais dos Estados da Bahia e São Paulo, com mais de 1.000 decisões cada[7]. Diversos são os entendimentos por parte dos julgadores. Muitos, contrários ao firme posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.

Para aumentar ainda mais o debate, recentemente, a 3ª Turma do STJ iniciou o julgamento de mais um caso relacionado a cobertura de inseminação artificial através da técnica da fertilização in vitro.

Contrariando os julgados anteriores, o ministro Moura Ribeiro votou no sentido de negar provimento ao Recurso Especial 1.794.629/SP, interposto por uma seguradora de saúde. Abriu a divergência a ministra Nancy Andrighi que deu provimento ao recurso para julgar improcedentes os pedidos iniciais do segurado, fazendo com que o ministro relator pedisse vista regimental para nova análise.

De fato, a dispersão jurisprudencial deve ser preocupação de todos e, exatamente por isso, deve-se afirmar que, se a divergência de índole doutrinária é saudável e constitui importante combustível ao aprimoramento da ciência jurídica, o dissídio jurisprudencial é absolutamente indesejável[8].

O texto da lei é claro, assim como as resoluções editadas pela ANS, ao tratar a ausência de obrigatoriedade para a cobertura de tratamentos artificiais para a concepção. Mesmo assim, podemos estar diante de novo debate naquela corte.

É hora, talvez, de tratar o tema como relevante matéria para afetação pelo rito dos Recursos Repetitivos.

Tem o STJ a chance de pôr um ponto final no debate e trazer ainda mais segurança jurídica para os consumidores, pois saberão efetivamente se têm esse direito pela lei, e para os empresários, que poderão — ou não — realizar novos cálculos atuariais para precificar corretamente os produtos disponibilizados.

[1] Disponível em <http://bvsms.saude.gov.br/dicas-em-saude/151-infertilidade-feminina>. Acesso 10 nov. 2019.

[2] Disponível em <https://www.hospitalsiriolibanes.org.br/hospital/especialidades/centro-reproducao-humana/Paginas/causas-infertilidade-mulher.aspx>. Acesso em: 16 nov. 2019

[3]Art. 226, § 7º: Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

[4] Redação dada pela Lei Federal 11.935/2009.

[5] ANDRIGHI, Fátima Nancy. A fosfoetanolamina sintética: uma proposta de reflexões sobre o paternalismo exacerbado do poder judiciário na área do direito à saúde. Segurança Jurídica e Protagonismo Judicial. Coordenador Werson Rêgo. Rio de Janeiro: GZ, 2017, p. 210.

[6] Alguns acórdãos nesse sentido: AgInt. no REsp. 1.808.166/SP; AgInt. no AREsp. 1.395.187/SP; REsp. 1.761.246/RO; REsp. 1.692.179/SP

[7] Pesquisas realizadas nos sítios eletrônicos dos seguintes Tribunais: DF; SP; RJ; BA; MG; CE; PR; PE; ES. Acesso em 11 nov. 2019.

[8] Resp. 753.159/MT.